Monday 20 August 2007

o discurso transparente

a clarice lispector quando escreveu 'água viva' conseguiu representar muito mais do que o pensamento errático de uma mulher, mas o processo mesmo do pensamento. sem querer cair nas associações baratas, é inevitável dizer que ali tudo é fluido como água corrente, porque é. de qualquer forma, o que impressiona não está na água, mas na vida que ela traz. a realidade da narradora chega ao leitor na forma de discurso - o que, de resto, é o que se passa com tudo o que é escrito. (discurso, escrito ou não, é sempre morto). assim, realidade se transforma em visão de mundo, que é o que acontece na representação. porém, é uma visão de mundo que parece surgir na seqüência em que imagina-se o pensamento brotando. que bom se fosse possível de fato falar o processo (e não dele!) de ver dentro aquilo que a gente vê dentro... aí está o mistério de 'água viva', que chega muito perto da própria substância recém-nascida na nossa paisagem mental, aquilo que os discursos tentam significar na sua justaposição de palavras - e o fazem tão parcialmente. a própria substância viva, quase como se não houvesse palavra.

2 comments:

Alessandro Minuscoli said...

Discurso é sempre morto. isso mesmo. Mas só dominamos o discurso. Eis a tragedia...

Anonymous said...

A tragédia ñ está na nossa miopia que nos impede enchergamos a substância. A tragédia está na coisa em si, que nunca se deixará ver porque ela mesma é miopiada.
E é por isso que eu amo o funesto discurso. Porque ele tem tanta ginga que pode mimetizar qualquer coisa. E até nos faz crer que estamos diante da coisa mesma.

 
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